domingo, 18 de julho de 2010

Agora você vê...

Vamos sair da esfera de cidadão que deu um jeito para a vida melhorar, para lançar mão da vida comum que nove entre dez pessoas têm no Rio de Janeiro: morador de comunidade e/ou entorno de comunidade e/ou área de risco, pai e mãe, ou só pai, pois não tem mãe ou só a mãe, pois não tem pai,  trabalhadores de uma jornada de mais de seis horas/dia, usuários de transporte público, filhos em colégios públicos. Você acha que está fazendo a sua parte, mandando seu filho para a escola, não faltando o seu trabalho e dando tudo de si para não perdê-lo, na mão do dinheiro de plástico para conseguir fazer as compras no mercado que mais vende - isso se você já não estiver na mão do Seu Peste Capiroto, mais conhecido como SPC, ou Segregante Estrangulador Ridículo Aniquilador Solene de Almas, o SERASA. Aí você já está contando as filipetas para entrar num mercadinho que ofereça algo para comprar, dentro das possibilidades. Não contamos o aluguel, outra realidade maciça pois, acreditem, pessoas moram de aluguel nas áreas de maior necessidade. Mas, não importa, você está fazendo a sua parte corretamente - trabalha de domingo à domingo, pois "o trabalho enobrece", seus filhos estão na escola ou creche, construída pelo governo, instituições estas que você teve que praticamente implorar para pôr os meninos, uma vez que as vagas nunca são suficientes. Mas a sua parte está feita.
Você sai cedo de casa, por causa da condução, dá um beijo, faz um afago nas crianças, pois quem vai levá-las à escola é a avó ou a vizinha, ou vão sozinhos. Você só sabe que eles vão. Não se preocupe: é a última vez que estás vendo seu filho com vida. Ele será alvejado por um projétil bélico dentro da escola,  mais precisamente, na sala de aula.
PÁRA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Como assim,meus caros? Isso é inadmissível, é revoltante! É digno de Presidente da República vir ao Estado para reunir-se com os demais dirigentes e pôr à baixo estas estratégias de combate que a polícia do Estado têm aplicado! Vocês me desculpem o berro mas, até um mero cidadão que nunca pegou em uma arma, serviu o serviço militar e tão pouco se diz estrategista é capaz de apontar onde está o erro. Cadê o uso da inteligência? Sempre me perguntei por que esses confrontos têm de acontecer na luz do dia! Por que não podem se dar na madrugada, depois de uma hora da manhã, onde o número de pessoas nas ruas é inexoravelmente menor? Por que não acontecem de maneira inteligente, ao ponto de, quando surpreender, não deixar o outro lado com outra opção, senão a de render-se? Quanto tempo mais teremos isso: a lei tem opção, os foras da lei têm opção, mas os cidadãos, não? Esse é tratado como se estivesse sempre no caminho do projétil, impedindo que ele desempenhe seu papel de atingir quem é  de direito? A trajetória acontece, o Estado se responsabiliza pagando as despesas de funeral - afinal, a família não estava preparada, e fica tudo igual: os confrontos dar-se-ão da forma mais torpe possível, em meio aos carros, estradas, praças públicas, escolas, e nós que saiamos da frente, pois atrás vem gente! E, se ainda assim der algo errado, exonere um, faça outros pagarem, mas pensar, arquitetar, usar estratégias, pedir auxílio as polícias inteligentes de outros países, nem pensar. Será que a intenção é: matar dois coelhos com uma cajadada só? Nessa hora não tem UPP certa, BOPE ou seja lá o que for.
O que sei é que não dá para imaginar a cabeça desses familiares que perdem, mesmo fazendo tudo certinho, sabe? A mãe, o pai, o padrasto, o primo, os amigos, que não verão mais o sorriso de menino porque ele estava na sala de aula, assistindo matemática, e levou um tiro no peito. De repente, o certo é: "quem mandou ele ir pra escola, né? Se estivesse na rua, correndo atrás de pipa, de velhinhos para roubar seus trocados, sendo vítima do vício da cola e do crack, talvez isso não teria acontecido! Mas, não... foi agir certinho, respeitar a tudo e a todos, cumprir o seu papel de "bom menino", e olha no que deu? Esses jovens e crianças de hoje em dia, fazendo tudo certo, saindo cedo de casa, chegando cedo, brincando onde os pais sabem, lidando com pessoas do bem, estudando para ser alguém amanhã, trabalhando direito... é nisso que dá..."
O amanhã de Wesley foi decidido por meia dúzia de gatos pingados, e eles não quiseram nem saber se o menino houvera planejado ser um cientista político, médico, advogado, professor, pai de família, não interessa: "vai ser mais um na estatística do despreparo do controle da ordem do Estado do Rio de Janeiro". Que marmelada, hein?! Futuro roubado. E eles, os algozes, será que vão ver os filhos deles hoje? Será que os verão crescer e desenvolver, ainda que para o mal perpetuar? Não sei, não: já estão na vantagem de mais de dois dias, em relação a família que acabara de sepultar o seu menino de ouro.

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